Arte Como Tecnologia Humana Avançada.

Hoje em dia a palavra tecnologia está diretamente associada a computadores e algoritmos, onde hardwares e softwares procuram reproduzir, imitar, hakear a inteligência humana gerando o que conhecemos como Inteligência Artificial. Olhamos com admiração e espanto a velocidade com que as maquinas se desenvolvem e ameaçam ocupar cada vez mais espaço em nossa vida cotidiana.

Entretanto, há um território ao qual a I.A talvez ainda leve alguns séculos para transformar em algoritmos, que são as nossas emoções. Acredito até que cientistas consigam mapear os impulsos eletroquímicos ativados em determinadas emoções mais primitivas, porém, há no ser humano um elemento que o difere das demais espécies que é a possibilidade e a angustia das escolhas, ou seja, o tal livre arbítrio.

Tudo isso apenas para dizer que as emoções humanas são o que há de mais avançado em termos de tecnologia, até porque acredito que ainda demorará alguns séculos para que um telejornal anuncie um crime passional por motivos de ciúmes entre um computador e um computador do mesmo sexo ou do sexo oposto. Nesse artigo, tomarei a liberdade de nomear o domínio dessas emoções como Tecnologia Humana Avançada.

Nesse campo de tecnologia humana eu incluiria todas as artes, filosofias e abordagens psicológicas, psicanalíticas e terapêuticas, além das práticas contemplativas como yoga e meditação. Considero tecnologia humana o conjunto de técnicas que visam fazer o ser humano entrar em contato com seu mundo subjetivo e com isso poder se relacionar melhor consigo e o mundo a sua volta.

Porém, dentre todas elas eu destaco a arte como a mais contundente, pois além de permitir com que acessemos nosso universo interior, a arte, independente do gênero ou estilo, impele e compromete o artista com a expressão dessa subjetividade. Pois ainda que tais sentimentos e emoções não estejam no nível consciente, estes tentam a todo custo ser representados e expressados em forma de arte seja ela visual, musical, literária ou cênica.

A ironia que pretendo evidenciar é que enquanto o ser humano caminha à passos largos rumo a inteligência artificial, ainda é um “burro” (todo respeito ao animal) quando se trata de conhecer e dominar as emoções. Não sabemos por exemplo, que quando estamos com raiva é uma emoção nos avisando: “Ei! Há um obstáculo no seu caminho que precisa ser removido” ou que quando estamos tristes é uma emoção avisando “Ei! você está precisando se conectar”.

A emoção é a fumaça que avisa onde há fogo. Se não sabemos que “raiva = obstáculo a ser removido”, é possível que acordemos com raiva, sintamos essa raiva ao longo do dia e tratemos mal algumas pessoas que amamos só porque não entendemos direito o que essa emoção quer nos mostrar.

Se uma emoção é capaz de sequestrar sua atenção durante horas ou dias, se és prisioneiro de um sentimento, um pensamento, uma emoção ainda que você seja politicamente correto, vegetariano ou poliamorista, sinto lhe dizer, mas você não é tão livre como imaginava ser

E olha que eu nem falei do amor em si, este sim o software mais avançado, a própria expressão da vida e do divino inscrita em nós e nós não entendemos nada sobre seu sistema operacional. Todos em certa medida, uns mais outros menos, mais cedo ou mais tarde se estrepam por causa do amor, não é verdade?

Costumo brincar dizendo que o amor é um software criado por Deus implantado nesse tipo de macaco que somos nós quase como um processador de iphone implantado num rádio de pilha, ou seja, não resolve nada e ainda estraga o aparelho. Sem contar que a educação formal, essa que modela nosso cérebro para conviver em sociedade, ser totalmente baseada na lógica do algoritmo.

Segundo o professor Google: “Algoritmo é o conjunto das regras e procedimentos lógicos perfeitamente definidos que levam à solução de um problema em um número finito de etapas”. Ou seja, podemos entender como logica algorítmica o seguinte número de procedimentos e etapas: Nascimento, certidão de nascimento, educação infantil, ensino fundamental, ensino médio, carteira de identidade, título de eleitor, certificado de reservista (para os meninos).

Dependendo das classes sociais salvo, raríssimas exceções, muitos já ficaram pelo meio do caminho e outros tantos não chegam a completar o fim deste ciclo, seguindo direto para o mercado formal ou informal, onde certamente nenhum deles estará lendo esse texto. Aqui também se define uma carreira ou um destino, como preferir. Nessa fase há uma nova injeção de sonhos e seguem os algoritmos.

Faculdade, em muitos casos onde você conhecerá seu futuro cônjuge, estágio numa empresa até se formar e adentrar o mercado de trabalho onde iniciará uma desenfreada corrida em direção ao sucesso financeiro, sexual e social. Alguns chegam, aliás poderia até dizer que muitos dos que passaram por uma formação universitária, se escolherem a carreira certa (aquela que dá dinheiro) acabam conseguindo.

Casam, financiam a casa própria e o carro, tem filhos, até que um dia uma sensação de que se ele parar de pedalar a bicicleta ele cairá, a sensação de incômodo só aumenta até que um belo dia vem o crash. Um resolve largar tudo e fazer um “mochilão” no leste europeu, outro larga o escritório de advocacia para se dedicar a música, outro assume sua homossexualidade escondida, outro vende tudo compra uma pousada em bali e vai surfar, enfim, um dia a máquina trava, dá bug e sabe porquê? Porque os algoritmos não consideraram aquilo que nos diferencia das maquinas que são nossas emoções e nossas possibilidades de escolha.

Quando não nos alinhamos aos nossos valores, aquilo que é realmente valioso para nós, sempre teremos sensações e emoções desagradáveis que acabam por aniquilar nossa potência e comprometer nossa performance em algum setor de nossas vidas.

Cabe aqui uma superficial reflexão: Porque morremos? Porque o coração para de bater. E quando o coração para de bater? Quando as veias entopem. E como as veias entopem? Por ansiedade ou depressão que leva ao stress, que conduz a um comportamento compulsivo onde bebemos mais, comemos mais, bebemos mais, comemos muito chocolate, sorvete e doces, dormimos, mal trabalhamos até a exaustão enfim, sintomas explícitos de quem não sabe lidar com as próprias emoções, certo?

Então eu não estaria totalmente errado se dissesse que nós não morremos do coração e sim de emoções mal cuidadas. Faz sentido?

Usando essa metáfora, poderia dizer que minha máquina quebrou a primeira vez quando fui expulso da escola ainda no ensino médio, depois de ter repetido de ano umas três vezes. Sendo um jovem negro suburbano e pobre (porém decente) minhas chances se tornaram bem reduzidas e por caminhos aleatórios e não planejados escolhi o lugar onde eu mais me sentia confortável, o teatro.

Aí mesmo que as chances de insucesso eram praticamente certas, por mais incrível que possa parecer nesse momento eu me vi no dilema entre o trabalho para ganhar dinheiro e estar perto dos meus pontos fortes e do que eu realmente amava.

A única certeza que eu tinha era que nenhuma das duas escolhas me garantiria o tal sucesso financeiro e social, portanto, se minhas chances de fracassar eram concretas, escolhi ao menos fracassar naquilo que amo, até porque tentar evitar o fracasso não significa que ele não virá.

Feita a escolha cabia a mim seguir minha jornada de aprendizado quando enfim conheci a arte do palhaço e como ela aprendi duas frases que mudaram todo meu mindset de artista preto suburbano ressentido. Aprendi que “O OUTRO NÃO EXISTE” e que “JAMAIS SERÁS QUEM TU NÃO ÉS”.

No mais, o resto são histórias, o mais importante aqui é que foi na arte do ator e mais especificamente na arte do palhaço que aprendi a lidar com minhas imperfeições, meus erros de julgamento, a aceitar minha inadequação em relação a sociedade e de entender que era o conjunto de todas as minha incompetências. Eu sou o que sobrou de mim e este tem uma única função que é expressar a minha visão de mundo através das bobagens que faço e falo.

Em suma, foi na arte que encontrei toda tecnologia necessária para lidar com a humanidade que há mim e que me dá a contínua percepção do êxito, gratidão e felicidade, principalmente porque foi na arte que eduquei e treinei minha emoções, me fez ficar intimo tanto das minhas qualidades quanto dos meus defeitos, na aceitação da minha mediocridade quanto da minha potência.

Para concluir, quero acreditar que o dia em que o ser humano dominar a tecnologia das emoções e o poder do amor ele estará cumprindo sua verdadeira vocação que é evoluir infinitamente e com isso se tornar ele mesmo numa poderosa plataforma de transformação pessoal com uma potência capaz de contaminar todos a sua volta e a sociedade como um todo.

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